A função arrecadatória do Estado para manutenção da sociedade: Breve análise dos objetivos da tributação no Brasil e suas contrariedades
A nossa Constituição Federal garante diversos direitos sociais aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no território nacional, dentre eles: educação, saúde, alimentação, lazer, segurança, previdência social, entre outros.
Todavia, em regra, tais direitos não são entregues à população de maneira gratuita, representando apenas uma contraprestação à sociedade. Citamos “em regra” porque a Constituição Brasileira não faz distinção quanto à concessão dessa benesse apenas aos brasileiros e àqueles que efetivamente contribuem tributariamente para com o Estado. Logo, mesmo aquele que sonega impostos, ou esteja no país de forma ilegal, sem contribuir, poderá usufruir de tais garantias constitucionais.
Outrossim, a questão objeto de análise deste artigo é quanto à função arrecadatória do Estado versus a função social do produto dessa arrecadação (ou seja, a destinação do produto da arrecadação). Nessa esteira, é válido mencionar que tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Em termos mais simples, um tributo é uma quantia de dinheiro que pessoas ou empresas são obrigadas a pagar ao Fisco, conforme previsto em lei, para financiar serviços e políticas públicas, como saúde, educação, segurança e infraestrutura.
Dessa forma, é evidente o caráter contraprestacional da efetivação dos direitos sociais mencionados. Ou seja, o Estado brasileiro não realiza atos filantrópicos ao gerenciar e efetivar esses direitos aos cidadãos, pelo contrário, tais deveres estatais, inseridos na Constituição, são financiados pela população como um todo e, somente após isso, essa prestação pecuniária compulsória (tributo) retorna à sociedade de maneira indireta. A prática de tributar é antiga e remonta às primeiras civilizações, como a Mesopotâmia e o Egito Antigo. No Brasil, não foi diferente, a Coroa Portuguesa iniciou a cobrança de tributos antes mesmo da colonização formal, com a exploração do pau-brasil.

Assim, é possível observar que, à semelhança das antigas civilizações, os tributos no Brasil evoluíram ao longo do tempo, tornando-se mais complexos, mas mantendo a mesma essência: financiar o funcionamento da máquina administrativa e os serviços destinados à sociedade. Contudo, a desconfiança da população em relação à gestão e à destinação dos recursos tributários pelo Estado é perfeitamente compreensível.
Essa desconfiança está diretamente relacionada ao volume da carga tributária brasileira, que trata da somatória de todos os tributos pagos pelos contribuintes, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Esse montante é posteriormente comparado ao Produto Interno Bruto (PIB), gerando um percentual que reflete o quanto da economia do país é destinada ao pagamento de obrigações fiscais.
A carga tributária é tema central em debates econômicos e sociais. No Brasil, ela é frequentemente alvo de críticas pelos contribuintes, especialmente quando comparada a outros países. Em 2024, por exemplo, a carga tributária brasileira foi de aproximadamente 33% do PIB, com a arrecadação de impostos ultrapassando R$ 209 bilhões.
É válido mencionar que esse índice de tributação no Brasil está diretamente relacionado com o consumo. Isto é, diferentemente de muitos países, o Brasil atualmente adota a tributação sobre o consumo nas três esferas da federação (Federal, Estadual e Municipal), sendo os principais impostos incidentes dessa relação o ICMS, ISS e IPI. Nesse sentido, a tributação do consumo é indireta, ou seja, nesses impostos, quem realiza o pagamento, na prática, é o consumidor final (cidadão comum). Isso ocorre porque o valor do tributo é embutido no preço final do produto/serviço.
As exações incidentes no consumo representam a maior parte da arrecadação do Fisco e, consequentemente, são o motivo de uma carga tributária tão elevada. A problemática desse modelo arrecadatório nasce quando a classe pobre é a mais prejudicada.
Em termos gerais, a atual forma de arrecadação dos tributos sobre o consumo prejudica veementemente a classe hipossuficiente, haja vista que esta é cobrada de maneira igual para todos, independentemente da renda e da classe social do consumidor. Dessa forma, pessoas de baixa renda acabam comprometendo uma parcela maior do seu salário com impostos, enquanto os mais ricos sentem menos esse impacto.
Analisando o contexto mencionado acima, cumpre dizer que Brasil possui uma das maiores cargas tributárias do mundo e a maior da América Latina, essa constatação levanta um questionamento relevante: a tributação está cumprindo adequadamente seu papel social? Ou seja, os valores arrecadados estão retornando aos contribuintes por meio do financiamento dos direitos sociais mencionados?
É de conhecimento público que o Brasil, historicamente, enfrenta problemas estruturais relacionados à má administração pública. Um dos maiores entraves é a corrupção, que compromete a eficácia da gestão governamental. Em cenários de elevada carga tributária combinados a altos índices de corrupção, a percepção negativa da população em relação ao governo torna-se inevitável.
Tal situação contribui para a descrença na administração pública e questiona a eficácia do sistema tributário como ferramenta de combate às desigualdades sociais e promoção do bem-estar coletivo. Recursos que deveriam ser destinados à saúde, educação, segurança e transporte, frequentemente, não chegam ao destino final ou são utilizados de forma ineficiente.
Nesse cenário, a figura do Estado começa a ser questionada, pois o sentimento de injustiça social e fiscal se tornam cada vez mais evidentes e amplamente difundidos em todas as camadas da sociedade. A precariedade dos serviços públicos — como escolas, hospitais, vias e transporte — é um reflexo claro de que os tributos pagos não retornam à população em forma de benefícios, como deveria, o que enfraquece o papel do Estado como agente promotor de desenvolvimento e justiça social.
Essa combinação de alta tributação, corrupção e má gestão dos recursos públicos gera um ciclo vicioso: a insatisfação e a desconfiança dos cidadãos incentivam práticas de evasão fiscal, que, por sua vez, reduzem a arrecadação necessária para financiar políticas públicas. O combate a esse cenário exige reformas estruturais que priorizem a transparência, a eficiência na gestão e a punição rigorosa de atos ilícitos praticados pelos governantes.

Diante do exposto, concluímos que a carga tributária brasileira, embora essencial para a manutenção dos direitos sociais assegurados pela Constituição, não cumpre integralmente seu papel devido aos recorrentes problemas de má gestão, corrupção e desperdício de recursos. Esse descompasso entre arrecadação e efetivação dos direitos gera desconfiança generalizada na administração pública, enfraquecendo a relação entre o Estado e a sociedade.
Hoje já temos o “Confia”, programa federal que visa aproximar o Fisco ao Contribuinte, tendo como objetivo central a busca da conformidade fiscal, logo, permitindo a transação tributária e outros programas de autorregularização, bem como a implementação de medidas que incentivam a regularidade fiscal e a resolução consensual de conflitos tributários. Isso representa um avanço significativo do Estado em buscar a solução de problemas de uma forma consensual, assim, em certos casos, evitando a movimentação do Poder Judiciário.
Portanto, conclui-se que é imprescindível que sejam implementadas reformas estruturais que promovam a transparência, o planejamento e a eficiência na utilização dos recursos públicos. Além disso, o combate à corrupção e a criação de mecanismos de fiscalização mais rigorosos são medidas essenciais para resgatar a confiança da população no sistema arrecadatório e garantir que a tributação seja efetivamente utilizada como instrumento de promoção da igualdade e do desenvolvimento social.
Artigo por escrito por: Luis Felipe Rezende de Oliveira
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Em um cenário tão complexo como o descrito, torna-se evidente que apenas a arrecadação de tributos não é suficiente para assegurar o desenvolvimento social e econômico do país.
A eficiência na gestão pública, a transparência na destinação dos recursos e o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização são essenciais para restaurar a confiança da sociedade no Estado e garantir que os direitos constitucionais sejam plenamente efetivados.
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